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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Holding Familiar : Aspectos principais.

     1. Introdução. 2.Conceito. 3. Tipo Societário adequado para a holding familiar. Do Direito de Empresa. 4.Sociedade Limitada e Sociedade por ações. 5.Contrato Social, Estatuto, bens e regime de bens entre cônjuges na sociedade. 6.Aspectos Tributários. 7. Conclusão.

1.Introdução.

                  O tema holding tem despertado cada vez mais interesse na seara empresarial.
                  O aumento da longevidade e a entrada cada vez mais cedo de herdeiros nas empresas tem gerado situações outrora desconhecidas.
                  É que, hoje, o jovem anseia mais cedo participar da empresa de seus pais, enquanto que a geração anterior, devido ao aumento da expectativa de vida, mantém-se no comando da Empresa com idade antes difícil de ser alcançada.
                  A grande preocupação dos pais, nesse cenário, é perpetuar a empresa para seus descendentes e impedir que esta venha a deixar de existir em decorrência de disputas familiares, as quais envolvem descendentes em linha reta e seus cônjuges.
                  Não é difícil imaginar as nefastas conseqüências de uma sucessão conflituosa. Com efeito, a abertura de um inventário recheado de litígio entre os descendentes tem o condão de no mínimo fragilizar qualquer grupo empresarial forte; isso, se não o levar à quebra.
                  A utilização da holding, portanto, objetiva afastar as complicações comuns em sucessões conflituosas, tudo à exata medida em que os herdeiros passam a ser sócios da pessoa jurídica, como demonstrado nos tópicos seguintes.

2.Conceito.

                  O vocábulo holding advém da língua inglesa e significa manter, segurar, dentre outros significados. Referido termo não exprime a idéia de um tipos societário regulado no Código Civil Brasileiro de 2002. Na verdade, uma holding pode abraçar diferentes tipos societários.
                  Nas palavras de MAMEDE (2011:2), “Holding (ou Holding company) é uma sociedade que detém participação societária em outra ou de outras sociedades, tenha sido constituída exclusivamente para isso (sociedade de participação), ou não (holding mista).”  Continua o Autor mencionado:
“A chamada holding familiar não é um tipo específico, mas uma contextualização específica. Pode ser uma holding pura ou mista, de administração, de organização ou patrimonial, isso é indiferente. Sua marca característica é o fato de se encartar no âmbito de determinada família e, assim, servir ao planejamento desenvolvido por seus membros, considerando desafios como organização do patrimônio, administração de bens, otimização fiscal, sucessão hereditária etc.”
                        Para LODI (2004:1):
“O moderno conceito de Holding é uma posição filosófica. É principalmente uma atitude empresarial. Enquanto as empresas, chamadas operadoras estão preocupadas com o mercado em que atuam, com as tendências do cliente, com a concorrência e com outros problemas externos, a holding tem uma visão voltada para dentro. Seu interesse é a produtividade de suas empresas controladas e não o produto que elas oferecem.
(...)
A holding é o elo que liga o empresário e sua família ao seu grupo patrimonial.”
                        No âmbito familiar, pode-se afirmar que as holdings mais utilizadas são a patrimonial (proprietária de determinado patrimônio) e a imobiliária (quando a holding possui imóveis e os aluga).

3. Tipo Societário Adequado para a Holding Familiar.
Do Direito de Empresa.

                        As sociedades podem basicamente ser simples ou empresárias. As sociedades empresárias têm por objeto “o exercício de atividade própria de empresário sujeita a registro” (Art. 982, Código Civil). As que não se enquadram em tal definição, são sociedades simples.
                        O direito empresarial encontra-se regulado no Código Civil Brasileiro (CCB) a partir do Art. 966, tratando o Livro II do Direito de Empresa.
                        Nesse cenário, a holding pode abraçar qualquer um dos tipos societários lá apresentados: sociedade simples, sociedade em comandita simples, sociedade em nome coletivo, sociedade limitada, sociedade em comandita por ações, sociedade cooperativa. A Sociedade por ações rege-se pela Lei 6.404/76.
                        Por oportuno, cabe o realce de que as sociedades simples devem ser registradas no registro Civil de Pessoas Jurídicas, enquanto que as empresárias  -  e as cooperativas - devem ser registradas nas Juntas Comerciais.

4. Sociedade Ltda e Sociedade por Ações.

                        Na prática, dois são os tipos societários mais utilizados para fins de holding familiar: a sociedade limitada e a sociedade por ações. A razão da utilização desses dois tipos societários reside no fato de que neles a responsabilidade dos sócios e acionistas limita-se às quotas e ações.
                        No geral a dúvida gravita ao derredor desses dois tipos societários, cujas diferenças básicas são explicadas a seguir:
                        A sociedade limitada trabalha com contrato social, onde a vontade dos sócios resta consignada. Na limitada existe um caráter pessoal, o foco é a pessoa do sócio que responde somente pelo capital social e pelo que falta integralizar no que se refere às suas quotas.
                        Já a sociedade por ações, como já diz o próprio nome, trabalha com ações. Suas regras restam contidas em um Estatuto que não tem por foco a pessoa do acionista, mas sim a pecúnia.
                        A constituição de uma holding na modalidade por ações representa elevado custo, dentre outros motivos porque a legislação exige a publicação de inúmeros atos, a exemplo de convocação de assembléias e balanços. Esta última exigência, especificamente, tem sido motivo para que tipos societários por ações tenham sido transformados em tipos societários na modalidade Ltda. O excesso de exigência em publicações, segundo alguns, tem levado insegurança aos acionistas.
                        Outra desvantagem da sociedade por ações tem sido a maior possibilidade de estranhos virem a compor seus quadros, não obstante a divisão de ações em preferenciais e ordinárias mitigue tal fato.
                        As sociedades por ações são, portanto, mais indicadas para grandes grupos empresariais.
                        As sociedades limitadas, de seu turno, representam a solução ideal para a grande maioria de holdings, sejam elas de participação ou patrimoniais.
                        A constituição de uma sociedade limitada é rápida, simples e o contrato social regerá as regras. Lamentavelmente, entretanto, o que se vê são empresários utilizando modelos padrões de contratos sociais que muitas vezes não se adequam às suas realidades.
                        Na sociedade limitada, consoante disposto no Art. 1.052 do CCB, “a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.”
                        Os bens da pessoa física, portanto, passam a integralizar o capital social e cada sócio passa a deter quotas de maneira igualitária e a participar dos dividendos daí advindos. As quotas podem se vistas sob o pálio da patrimonialidade (aspecto econômico) ou da socialidade (direito a voto, participação em assembleias, etc.). Há uma relação direta entre quotas e bens. Tais bens obedecem a classificação do Código Civil: móveis, imóveis, semoventes, imateriais (marcas, patentes, etc).
                        No caso de penhora das quotas de algum dos sócios, o credor não poderá substituí-lo, mas sim requerer a liquidação destas.
                        Incidirá imposto de transmissão no momento de transferência dos bens para a pessoa jurídica. A operação aqui mencionada torna despicienda a abertura de processo de inventário.  
                        Ainda, na limitada é possível um maior controle dos sócios, o que resvala no afastamento de terceiros que porventura tentem minar os termos acertados entre os herdeiros e seus ascendentes.
                        Por derradeiro, torna-se importante o registro de que sociedades já existentes tornem-se holdings em virtude de cisão, fusão, incorporação ou transformação, bastando, para tanto, sejam redigidos os aditivos contratuais necessários.

5. Contrato Social, Estatuto, Bens e Regime de Bens entre cônjuges na sociedade.

                        Já restou dito alhures que as relações entre sócios e acionistas nas holdings serão regidas pelo disposto no Contrato Social, em se tratando de sociedade limitada; ou, Estatuto, em se tratando de sociedade por ações.
                        Em se tratando de holding familiar, de início torna-se obrigatória a análise do regime de bens do casal. É que o Código Civil de 2002 veda a sociedade entre pessoas casadas sob o regime da comunhão universal de bens.
                        Diz o CCB, em seu Art. 977: “Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória.”
                        Ocorre que o próprio CCB, desta vez no Art. 1639, parágrafo segundo, dispõe que: “é admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados direitos de terceiros.”
                        Conclusivo, portanto, que é possível a mudança de regime de bens para que os cônjuges participem como sócios em empresa de holding familiar.
                        O regime de bens, entrementes, não há de ser um empecilho para que a empresa familiar seja aberta. É possível ser assinado documento entre os herdeiros e denominado Acordo Societário que preveja a inserção do nome do cônjuge no momento adequado. Tal acordo também pode regulamentar o direito de preferência no caso de cessão de quotas societárias.
                        No Contrato Social é possível a adoção de cláusulas que confiram mais segurança aos sócios.
                        Assim, é possível estabelecer que algumas matérias somente sejam aprovadas por unanimidade e, ainda, pode-se utilizar cláusulas de incomunicabilidade e intransferibilidade para proteger os sócios no infeliz caso de divórcio de um deles.
                        Havendo herdeiro incapaz, este pode ser sócio desde que devidamente assistido por responsável legal.
                        Em caso de falecimento de um dos sócios, sua quota será liquidada e havendo cláusula de preferência, abre-se a possibilidade para que os demais sócios adquiram a quota do sócio falecido.
                        Cláusula importante é aquela que confere usufruto vitalício ao sócio majoritário no que se refere aos seus bens.
                        As parte podem, outrossim, estipular a instituição de um Conselho Fiscal para fins de melhor resguardar os interesses dos sócios, sendo também possível designar terceiro ou um dos sócios para administrar a sociedade, hipótese em que tal pessoa terá direito a perceber um valor mensal por tal mister.     
      
6. Aspectos Tributários

                        No que se refere ao imposto de renda, desde 1996 não incide na fonte no que concerne a lucros e dividendos, além de ser possível a distribuição trimestral destes com base em balanço, ainda que não findado o exercício. Quanto ao imposto de renda sobre o faturamento, veja-se o que dispõem os Arts. 13 e 14 da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998:
Art. 13. A pessoa jurídica cuja receita bruta total, no ano-calendário anterior, tenha sido igual ou inferior a R$ 48.000.000,00 (quarenta e oito milhões de reais), ou a R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais) multiplicado pelo número de meses de atividade do ano-calendário anterior, quando inferior a 12 (doze) meses, poderá optar pelo regime de tributação com base no lucro presumido.(Redação dada pela Lei nº 10.637, de 2002)

        § 1° A opção pela tributação com base no lucro presumido será definitiva em relação a todo o ano-calendário.

        § 2° Relativamente aos limites estabelecidos neste artigo, a receita bruta auferida no ano anterior será considerada segundo o regime de competência ou de caixa, observado o critério adotado pela pessoa jurídica, caso tenha, naquele ano, optado pela tributação com base no lucro presumido.


        Art. 14. Estão obrigadas à apuração do lucro real as pessoas jurídicas:

        I - cuja receita total, no ano-calendário anterior, seja superior ao limite de R$ 24.000.000,00 (vinte e quatro milhões de reais), ou proporcional ao número de meses do período, quando inferior a doze meses;

        I - cuja receita total, no ano-calendário anterior seja superior ao limite de R$ 48.000.000,00 (quarenta e oito milhões de reais), ou proporcional ao número de meses do período, quando inferior a 12 (doze) meses; (Redação dada pela Lei nº 10.637, de 2002)

        II - cujas atividades sejam de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras de títulos, valores mobiliários e câmbio, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização e entidades de previdência privada aberta;

        III - que tiverem lucros, rendimentos ou ganhos de capital oriundos do exterior;

        IV - que, autorizadas pela legislação tributária, usufruam de benefícios fiscais relativos à isenção ou redução do imposto;

        V - que, no decorrer do ano-calendário, tenham efetuado pagamento mensal pelo regime de estimativa, na forma do art. 2° da Lei n° 9.430, de 1996;

        VI - que explorem as atividades de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring).

        VII - que explorem as atividades de securitização de créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio. (Incluído pela Medida Provisória nº 472, de 2009)

        VII - que explorem as atividades de securitização de créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio.(Incluído  pela Lei nº 12.249, de 2010)

Art. 15. A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada mediante a aplicação do percentual de oito por cento sobre a receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto nos arts. 30 a 35 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995. (Vide Medida Provisória nº 252, de 15/06/2005)

§ 1º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este artigo será de:

I - um inteiro e seis décimos por cento, para a atividade de revenda, para consumo, de combustível derivado de petróleo, álcool etílico carburante e gás natural;

II - dezesseis por cento;

a) para a atividade de prestação de serviços de transporte, exceto o de carga, para o qual se aplicará o percentual previsto no caput deste artigo;

b) para as pessoas jurídicas a que se refere o inciso III do art. 36 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 29 da referida Lei;

III - trinta e dois por cento, para as atividades de: (Vide Medida Provisória nº 232, de 2004)

a) prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares;(Vide art.29 e art. 41 da Lei nº 11.727, de 23 de junho de 2008)

a) prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas, desde que a prestadora destes serviços seja organizada sob a forma de sociedade empresária e atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa; (Redação dada pela Lei nº 11.727, de 23 de junho de 2008)

b) intermediação de negócios;

c) administração, locação ou cessão de bens imóveis, móveis e direitos de qualquer natureza;

d) prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring).

§ 2º No caso de atividades diversificadas será aplicado o percentual correspondente a cada atividade.

§ 3º As receitas provenientes de atividade incentivada não comporão a base de cálculo do imposto, na proporção do benefício a que a pessoa jurídica, submetida ao regime de tributação com base no lucro real, fizer jus.

§ 4º O percentual de que trata este artigo também será aplicado sobre a receita financeira da pessoa jurídica que explore atividades imobiliárias relativas a loteamento de terrenos, incorporação imobiliária, construção de prédios destinados à venda, bem como a venda de imóveis construídos ou adquiridos para a revenda, quando decorrente da comercialização de imóveis e for apurada por meio de índices ou coeficientes previstos em contrato. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)

                        Será devido adicional de imposto de renda se verificada a hipótese do parágrafo primeiro do Art. 3º da Lei nº 9249, de 26 de dezembro de 1995:
Art. 3º A alíquota do imposto de renda das pessoas jurídicas é de quinze por cento.

§ 1º A parcela do lucro real, presumido ou arbitrado, apurado anualmente, que exceder a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais), sujeita-se à incidência de adicional de imposto de renda à alíquota de dez por cento.

§ 1º A parcela do lucro real, presumido ou arbitrado, que exceder o valor resultante da multiplicação de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) pelo número de meses do respectivo período de apuração, sujeita-se à incidência de adicional de imposto de renda à alíquota de dez por cento.(Redação dada pela Lei 9.430, de 1996)

§ 2º O limite previsto no parágrafo anterior será proporcional ao número de meses transcorridos, quando o período de apuração for inferior a doze meses.

§ 2º O disposto no parágrafo anterior aplica-se, inclusive, nos casos de incorporação, fusão ou cisão e de extinção da pessoa jurídica pelo encerramento da liquidação.(Redação dada pela Lei 9.430, de 1996)

§ 3º O disposto neste artigo aplica-se, inclusive, à pessoa jurídica que explore atividade rural de que trata a Lei nº 8.023, de 12 de abril de 1990.

§ 4º O valor do adicional será recolhido integralmente, não sendo permitidas quaisquer deduções.
                       
                        No que se refere à CSLL, reza o Art.29 da Lei nº 9430/96:

Art. 29. A base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, devida pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro presumido ou arbitrado e pelas demais empresas dispensadas de escrituração contábil, corresponderá à soma dos valores:
I - de que trata o art. 20 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995;
II - os ganhos de capital, os rendimentos e ganhos líquidos auferidos em aplicações financeiras, as demais receitas e os resultados positivos decorrentes de receitas não abrangidas pelo inciso anterior e demais valores determinados nesta Lei, auferidos naquele mesmo período.
                        O Art. 20 da Lei 9249/95, acima mencionado, diz o seguinte:
Art. 20. A base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, devida pelas pessoas jurídicas que efetuarem o pagamento mensal a que se referem os arts. 27 e 29 a 34 da Lei n, e pelas pessoas jurídicas desobrigadas de escrituração contábil, corresponderá a doze por cento da receita bruta, na forma definida na legislação vigente, auferida em cada mês do ano-calendário, exceto para as pessoas jurídicas que exerçam as atividades a que se refere o inciso III do § 1o do art. 15, cujo percentual corresponderá a trinta e dois por cento. (Redação dada Lei nº 10.684, de 2003)  (Vide Medida Provisória nº 232, de 2004)  (Vide Lei nº 11.119, de 205)

Parágrafo único. A pessoa jurídica submetida ao lucro presumido poderá, excepcionalmente, em relação ao quarto trimestre-calendário de 2003, optar pelo lucro real, sendo definitiva a tributação pelo lucro presumido relativa aos três primeiros trimestres. (Incluído pela Lei nº 10.684, de 2003)

§ 1º A pessoa jurídica submetida ao lucro presumido poderá, excepcionalmente, em relação ao 4o (quarto) trimestre-calendário de 2003, optar pelo lucro real, sendo definitiva a tributação pelo lucro presumido relativa aos 3 (três) primeiros trimestres. (Renumerado com alteração pela Lei nº 11.196, de 2005)

§ 2º O percentual de que trata o caput deste artigo também será aplicado sobre a receita financeira de que trata o § 4º do art. 15 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)


8. Conclusão.
                        As holdings familiares, sejam elas de caráter participativo ou patrimonial configuram-se em importantes instrumentos para fins de perpetuação de empresas, tudo à exata medida em que transferem o foco de eventuais desavenças para a pessoa jurídica, poupando, assim, a pessoa física dos herdeiros .
                        Em resumo, tal forma societária, seja ela revestida sob a forma de sociedade por ações ou limitada, confere aos sócios segurança jurídica e, sobretudo, paz no campo pessoal e empresarial.
                        Do ponto de vista tributário, a instituição de uma Holding, via de regra, minora a carga de tributos.
                        Do ponto de vista operacional, o dia-a-dia da empresa e dos sócios fica mais viável já que a holding terá mais facilidades de agir no mercado, obter créditos, dentre outros benefícios.
                        Entretanto, para que os resultados almejados sejam efetivamente alcançados, faz-se mister a análise de cada caso de forma particular e peculiar, já que as necessidades de cada caso instruirão o conteúdo do contrato social, instrumento-mor que protegerá os sócios e regerá as relações entre eles.

            Julio de Assis Bezerra Leite é advogado, Mestre em Direito Constitucional pela UNIFOR, Pós-graduado em Direito Empresarial pela FGV, Pós-graduado em Processo pela UFC e Professor da FGV
www.juliobezerraleite.blogspot.com


Bibliografia:
LODI, João Bosco e outro. Holding. 3ªed., SP: Pioneira Thoson, 2004.
MAMEDE, Gladston e outro. Holding Familiar e suas vantagens. SP: Atlas, 2011.
OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças. Holding, Administração Corporativa e Unidade Estratégica de Negócio. 4ª Ed, SP: Atlas, 2010.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana nas relações de consumo.

O Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana nas relações de consumo.
(Artigo publicado na Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, Vol XI)
Julio de Assis Araujo Bezerra Leite é Mestre em Direito pela UNIFOR, Pós-Graduado em Direito Empresarial pela FGV, Pós-Graduado em Processo pela UFC/ESMEC, Bacharel em Direito pela UFC, Professor da FGV e advogado.

1. Introdução.  2. A ordem econômica constitucional e a constitucionalização do direito privado. 3. O princípio da dignidade da pessoa humana e o Código de Defesa do Consumidor. 4. Conclusão.

1.      Introdução.
O assunto dignidade encontra-se em evidência, desde a segunda metade do século passado, tanto no direito internacional, quanto nos ordenamentos jurídicos nacionais dos mais variados países, sobretudo naqueles em que existe ordem jurídica democrática.
Refere-se a dignidade, do ponto de vista jurídico, a qualidades imanentes do ser humano, relacionando-se mesmo com a humanidade, com direitos humanos que, uma vez positivados, são considerados direitos fundamentais.
Nesse cenário, durante séculos, direito público e direito privado foram ramos que caminharam de forma dissociada no estudo das relações jurídico-sociais das sociedades em geral; sendo que, a partir do momento em que se verificou a necessidade de um Estado que interviesse nas relações privadas, o que também é conhecido por dirigismo contratual, passou-se à realidade de  um Estado-interventor que se preocupa com as relações privadas e, ainda, prevê tais interferências, como no caso do ordenamento jurídico brasileiro, no corpo da Constituição Federal. Fala-se, dessarte, em constitucionalização do direito privado.
Versa-se, aqui, sobre a congruência do direito público e privado no que se refere às cláusulas constitucionais fundamentais que influenciam as relações contratuais de consumo; tudo, sob o enfoque do princípio fundamental da dignidade.
Atualmente, o direito privado, com destaque para o direito contratual, é reflexo dessa nova forma de agir em sociedade, onde o individual é, em variadas hipóteses, relegado a segundo plano, prevalecendo o direito coletivo e tudo em observância, de forma direta e resumida, ao constitucional princípio da dignidade da pessoa humana, princípio-mor nas relações privadas quando o foco são os direitos fundamentais previstos na Carta da República de 1988 e na Lei 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor.
Assim, de forma resumida, pode-se afirmar sem margens a dúvidas que a dignidade da pessoa humana, princípio constitucional por excelência, cada vez mais encontra-se presente na relações privadas, tudo numa realidade jurídica que alça ao grau máximo de importância a limitação da relações jurídicas privadas em prol de uma sociedade mais justa e igualitária e fraterna.

 2. A ordem econômica constitucional e a constitucionalização do direito privado.
A Constituição da República Brasileira de 1988, em seu Artigo 170, afirma que “a ordem econômica, fundada na livre valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.”
O mesmo dispositivo acima mencionado elege, dentre outros e enquanto princípios gerais da atividade econômica, a defesa do consumidor e a livre concorrência.
Optou o legislador pátrio pela intervenção no domínio econômico, ou seja, pela regulação dos mercados em prol de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivos estes fundamentais da República e previstos no Art. 3º. da Carta Magna de 1988. Nas palavras de GILBERTO BERCOVICI[1],
“A Constituição de 1988, assim como várias outras constituições contemporâneas, não exclui nenhuma forma de intervenção estatal, nem veda ao Estado atuar em nenhum domínio da atividade econômica. A amplitude maior ou menor desta atuação econômica do Estado é conseqüência das decisões políticas democraticamente legitimadas, não de alguma determinação constitucional expressa.”
A intervenção no domínio econômico, convém salientar, tomou relevo após o fracasso do liberalismo. É a busca constante pelo Estado Social.
 Nas palavras de PAULO BONAVIDES[2], “Sem Estado social e sem Constituição, não há como criar a ordem econômica e social de uma democracia pluralista, mormente na sociedade de massas do século XX.”
Para BONAVIDES[3], o Estado social, além de ser a única alternativa flexível para a democracia no ocidente; é, outrossim, “a aspiração máxima dos juristas da liberdade perante a opção negativa e fatal de uma sociedade repressiva e totalitária.” Merecem destaque suas palavras sobre o que ele qualifica como “segunda categoria de Estado Social: o da concretização da igualdade e justiça social”, assim explicada:
“É o Estado social que subvenciona e incentiva a empresa privada da mesma forma que institui o salário-desemprego e, se necessário, aquele que enfrenta, como Estado Empresarial ou entreposto regulador, as crises de abastecimento, combatendo por essas via manobras altistas e especulativas, com a finalidade de conter ou reprimir os índices disparados da pressão inflacionária.
É o Estado social comprometido com o desenvolvimento cujo inimigo mortal são as formas recessivas, ditadas por uma política financeira e econômica de inspiração rigidamente monetarista e tecnocrática.
É por igual o Estado social comprometido a executar a reforma agrária de bases democráticas, sem quebra do instituto da propriedade privada, buscando afiançar mediante a lei da terra a justiça social nos campos.”
EROS ROBERTO GRAU[4], explana que foram as “imperfeições do liberalismo”, as quais coligadas com a “incapacidade de autoregulação dos mercados”, que restaram por conduzir à atribuição de novas  funções ao Estado.
Na visão liberal de Estado, portanto, este não intervinha nas relações privadas entre seus cidadãos, era o Estado absenteísta que respeitava de forma absoluta o princípio do pacta sunt servanda e preocupava-se tão-somente com a segurança jurídica, nos moldes rousseaunianos, ou seja, a função meramente administrativa de gerar segurança aos seus compatriotas. Para EROS GRAU[5]:
“O modelo clássico de mercado ignorava e recusava a idéia de poder econômico. Na práxis, todavia, os defensores do poder econômico, porque plenamente conscientes de sua capacidade de dominação, atuando a largas braçadas sob a égide de um princípio sem princípios – o princípio do livre mercado -, passaram e desde então permanecem a controlar os mercados.”
BONAVIDES[6], por sua vez, comenta que em Kant, a ordem do Estado é neutra, consistindo sua missão em um protecionismo, palavras suas, “benigno, paternal”, ao proteger os indivíduos contra a violência, seja ela interna ou externa. Explica o Autor, ainda sobre as idéias de KANT, que o alheamento do consagrado jusfilósofo não fora maior porque este reconhecia por justa “alguma participação do direito no progresso espiritual de cada ser humano”; e, que a transferência de suas idéias para a época atual considerar-se-ia “a mais injusta e desumana missão que se haveria de reservar ao Estado, sobretudo entre os povos de cultura inferior.”
Assim é que do ponto de vista histórico, após o liberalismo e com a elevação da dignidade da pessoa humana ao grau máximo dos princípios constitucionais - tudo diante da nova onda constitucional que após a Segunda Grande Guerra passou a fazer parte do cenário jurídico global - houve significativa mudança na interpretação dos fatos sociais, os quais passaram a ser interpretados a partir da dignidade.
O Estado social, entrementes, não obstante seja o grande propulsor da constitucionalização do direito privado, e, por conseguinte, das relações jurídicas privadas, ainda que almeje a paz social, na prática, enfrenta numerosos problemas.
A legislação, por exemplo, torna-se específica, pontual e, nalguns casos, rapidamente ultrapassada; enquanto que no Estado Liberal, “as normas eram feitas para durar indefinidamente.”[7]
De forma sistemática, pode-se afirmar que o Estado Social e sua Teoria relacionam-se diretamente com a ordem econômica e social[8]; e, por sua vez, que referida ordem econômica e social implica em intervencionismo estatal na sociedade, através de políticas públicas onde se incluam legislações que intervém nas relações privadas, com preceitos de ordem pública e princípios constitucionais que são referenciados na seara infraconstitucional em ciclo hermenêutico constante. E, a dignidade, pode-se afirmar, na condição de princípio universal dos direitos do homem, é a célula mater para a realidade sócio-jurídica aqui apresentada.
Em síntese, portanto, a constitucionalização do direito privado (rectius: relações privadas) é reflexo direto do surgimento do Estado social que, de seu turno, encontra nascedouro na antítese ao Estado liberal.
No campo infraconstitucional brasileiro, e em conformidade com o texto constitucional, encontramos enquanto exemplos de intervenção estatal nas relações privadas, a Lei n.º. 8.884, de 11 de junho de 1994, que trata da livre concorrência;  e, a Lei n.º. 8.078, de 11 de setembro de 1990, conhecida por Código de Defesa do Consumidor.
A Lei n.º. 8884/94, em seu art.1.º, explicita seu desiderato:       
Art. 1º Esta lei dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.
Na mesma linha, afirma o Código de Defesa do Consumidor, em seu Art. 1.º., inclusive, referenciando a ordem econômica ao inserir em seu conteúdo o Art. 170 da Constituição Federal de 1988:
Art. 1º. O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos artigos 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e artigo 48 de suas Disposições Transitórias.
Por oportuno, convém realçar que a Lei n.º. 10.406/2002, Novo Código Civil Brasileiro (CCB), também referencia a dignidade e o dirigismo contratual nas relações privadas, o que se verifica de forma diluída em seu texto, mas com destaques para os artigos 421 a 426, cujos conteúdos jurídicos são inversamente proporcionais àqueloutros, existentes no antigo Código Civil, o de 1916, com cunho eminentemente liberal.
Assim é que o Art. 421 do CCB preceitua que existe a liberdade para contratar, mas que esta deve ser exercida “em razão e nos limites” da função social do contrato. Noutras palavras, resta constatada a atenuação do princípio da força obrigatória dos contratos -  pacta sunt servanda -, em prol da sociedade; daí, a função social do contrato.
Doutro viés, os artigos 422 e 423 do CCB preservam a intervenção do Estado na esfera privada ao preverem que os princípios da boa-fé e equidade hão de ser observados antes, durante e após o contrato; e, ainda, a interpretação mais favorável ao aderente, aspecto último este que prevê a modalidade contratual adesiva fora do microssistema consumerista e, ainda, obriga de forma indireta àquele que apresenta o contrato, a fazê-lo de forma equilibrada, id est,  a preservar o equilíbrio contratual.
Institutos semelhantes são encontrados no microssistema das relações de consumo (inversão do ônus da prova, hipossuficiência e vulnerabilidade do consumidor, interpretação mais favorável ao consumidor, etc.).
Ao discorrer sobre a função social do contrato, explica HUMBERTO THEODORO JÚNIOR[9] que
“A tônica das leis formadoras do denominado Direito Econômico centrou-se, no pós-Segunda Guerra, em impedir as práticas não concorrenciais (ou de dominação de mercado) e estimular; dentro da livre iniciativa, aquelas que realmente favoreciam a livre concorrência. (...)
Dentro desse projeto foi que se delinearam as primeiras normas que, com o seu avolumar, viriam a formar o atual direito do consumidor.
(...)
A função social dos contratos de consumo era, assim, delineada pela preservação da função econômica do contrato de consumo, evitando que pudesse ele ser desviado para objetivos não concorrenciais que afinal impediriam o desenvolvimento econômico de que a sociedade de nossos tempos não pudesse prescindir. De maneira alguma se tinha o propósito de combater a sociedade de consumo e muito menos o de enfraquecer ou desestimular as operações de mercado. Ao contrário, o que se buscava era um desenvolvimento cada vez maior, porém em harmonia com propósitos que correspondessem, também, aos anseios de melhoria social.
Só mais recentemente, já nas últimas décadas do Século XX, é que surgiram normas centradas na política de defesa do consumidor, como objetivo principal.”
Os contratos, de seu turno, são instrumentos, por excelência, de circulação de riquezas. O dirigismo contratual, nesse cenário, tem a nobre função de através dos dispositivos legais existentes no ordenamento jurídico pátrio, promover o equilíbrio contratual  ainda que diante do fenômeno conhecido por massificação contratual, onde quase não mais resta espaço para uma relação bilateral típica, vez que esta foi substituída, na velocidade da vida moderna, pelos contratos de adesão. Veja-se, à guisa de complementação, as palavras de CLÁUDIA LIMA MARQUES[10], em obra de sua autoria:
“Na concepção tradicional de contrato, a relação contratual seria obra de dois parceiros em posição de igualdade perante o direito e a sociedade, os quais discutiriam individual e livremente as cláusulas de seu acordo de vontade. Seria o que hoje denominaríamos de contratos paritários ou individuais. Contratos paritários, discutidos individualmente, cláusula a cláusula, em condições de igualdade e com o tempo para tratativas preliminares, ainda hoje existem, mas em número muito limitado e geralmente nas relações entre dois particulares (consumidores), mais raramente, entre dois profissionais e somente quando de um mesmo nível econômico.”
A constitucionalização do direito privado, das relações privadas, portanto, é fruto da própria evolução da sociedade. Na prática, ocorre o dirigismo estatal, intervindo o Estado, por intermédio de políticas públicas e do ordenamento jurídico para fins de propiciar o bem-estar social. Na legislação, surgem preceitos de ordem pública, com fulcro na dignidade e em outros direitos fundamentais, que tornam nulas de pleno direito as cláusulas que a própria lei denomina como abusivas. A nulidade, em tais casos, é absoluta, ou seja, não produz efeito e, uma vez declarada nula pela autoridade judiciária, considera-se como nunca existente no bojo do contrato.

3. O princípio da dignidade da pessoa humana e o Código de Defesa do Consumidor.
A Constituição Federal de 1988 representa um marco no constitucionalismo brasileiro, verdadeira fase transitória entre o regime do passado e o novo, cuidando o Legislador pátrio, na fase de gestação constitucional, em buscar fundamentos nos mais abalizados tratados internacionais que surgiram no cenário mundial após a II Grande Guerra Mundial, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
A nova ordem foi tão inovadora que foi duvidosa. À época, críticas ferrenhas advieram de órgãos da imprensa nacional e alienígena, como a Folha de São Paulo e o Financial Times, em Londres.[11] PAULO BONAVIDES, citando AFONSO ARINOS, explica parte do sentimento nacional na data da promulgação, em 5 de outubro de 1988:
“Traçou, Afonso Arinos, por sua vez, um vasto painel histórico das Constituições brasileiras, analisadas em suas linhas gerais, até formular, com toda a acuidade, essa observação sobre a nota essencial de caracterização do constitucionalismo contemporâneo na era do Estado Social:
`É importante insistir neste ponto. A garantia dos direitos individuais é cada vez mais eficaz e operativa nas Constituições contemporâneas, mas a garantia dos direitos coletivos e sociais, fortemente capitulada nos textos, sobretudo nos países em desenvolvimento e, particularmente nas condições do Brasil, torna-se extremamente duvidosa – para usarmos uma expressão branda- quaisquer que sejam as afirmações gráficas existentes nos documentos, como este que estamos, hoje, comemorando. Afirmar o contrário é ingenuidade, ilusão ou falta de sinceridade, quem sabe, de coragem. Direito individual assegurado, direito social sem garantia – eis a situação.´”
CLÁUDIO LEMBO[12], de seu turno, referencia ULYSSES GUIMARÃES que, de forma bastante otimista, na primeira edição da Carta da República de 1988, escreveu e inseriu prólogo de sua autoria, texto este que foi retirado das edições posteriores. O então Deputado ULYSSES GUIMARÃES, coloca o homem como centro da Constituição, por ele denominada de Constituição “Coragem”.
A inserção do homem como centro dos direitos perante o Estado também é preconizada por BOBBIO quando em sua obra “A Era dos Direitos”, o Autor discorre sobre a inversão ocorrida na relação entre Estado e cidadãos durante a formação do Estado moderno e assevera que “passou-se da prioridade dos deveres dos súditos à prioridade dos direitos do cidadão, emergindo um modo diferente de encarar a relação política, não mais predominantemente do ângulo do soberano, e sim daquele do cidadão, em correspondência com a afirmação da teoria individualista da sociedade em contraposição à concepção organicista tradicional.”
CANOTILHO[13], ao dissertar sobre o regime geral dos direitos fundamentais e o princípio da universalidade, explica que “o processo de fundamentalização, constitucionalização e positivação dos direitos fundamentais colocou o indivíduo, a pessoa, o homem, como centro da titularidade de direitos.”
Citando HESSE, o jurista PAULO BONAVIDES[14] explica que os direitos fundamentais têm por escopo “criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana.”
Nas palavras de CLÁUDIO LEMBO[15], “os direitos fundamentais são os direitos naturais da pessoa elevados a nível constitucional, ou seja, positivados pelo legislador constituinte”; sendo, também, “direitos subjetivos inerentes à condição e ao desenvolvimento humano, comuns a todas as pessoas, nacionais, estrangeiras ou apátridas
A dignidade da pessoa humana, nesse diapasão, é considerada um direito fundamental inerente à própria condição de humano, sendo juridicamente exteriorizada enquanto princípio, o da dignidade da pessoa humana.
Para RIZZATTO NUNES[16], faz-se necessário identificar a dignidade da pessoa humana enquanto uma “conquista da razão ético-jurídica, fruto da reação à história de atrocidades que, infelizmente, marca a experiência humana.” E, continua:
“Não é à toa que a Constituição Federal da Alemanha Ocidental do pós-guerra traz, também, estampado no seu artigo de abertura que ‘A dignidade da pessoa humana é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo o poder público.’
Foi, claramente, a experiência nazista que gerou a consciência de que se devia preservar, a qualquer custo, a dignidade da pessoa humana.
(...)
Assim, para definir dignidade é preciso levar em conta todas as violações que foram praticadas, para, contra elas, lutar.
Então, se extrai dessa experiência histórica o fato de que a dignidade nasce com o indivíduo. O ser humano é digno porque é.
(...)
Então a dignidade nasce com a pessoa. É-lhe inata. Inerente à sua essência..”
A Constituição Federal de 1988, em seu Art. 1º, consagra a dignidade da pessoa humana enquanto fundamento da Republica Federativa do Brasil:
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político;
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Em seu Art. 4º, a Constituição Brasileira elege enquanto princípio das relações internacionais, a prevalência dos direitos humanos; e, no Art.5º, III, da Carta da República Brasileira, o legislador expressa sua preocupação em preservar a pessoa humana através do respeito à sua dignidade; isso, ao prever que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
Em se tratando de pessoa humana, a dignidade é o princípio-mor.  É o direito humano positivado, logo direito fundamental, que norteia as relações individuais entre pessoas e entre elas e as pessoas jurídicas, inclusive o Estado. Do ponto de vista do homem, a Constituição pode ser resumida à dignidade. No que se refere à ordem econômica, está ela presente; quanto à liberdade, também encontra-se presente tal princípio; e, dentre outros inúmeros exemplos, o princípio também encontra guarida no Código de Defesa do Consumidor, onde constitui-se em seu principal fundamento.
RIZZATO NUNES[17], ao discorrer sobre o princípio da dignidade humana, explicita que ele é o “mais importante princípio constitucional”, pois “dá a diretriz para a harmonização dos princípios.” E, complementa:
“Agora, realmente é a dignidade que dá o parâmetro para a solução do conflito de princípios; é ela a luz de todo o ordenamento. Tanto no conflito em abstrato de princípios como no caso real, concreto, é a dignidade que dirigirá o intérprete - que terá em mãos o instrumento da proporcionalidade – para a busca da solução.
Assim, por exemplo, o princípio da intimidade, vida privada, honra,  imagem da pessoa humana, etc. deve ser entendido pelo da dignidade. No conflito entre liberdade de expressão e intimidade é a dignidade que dá a direção para a solução. Na real colisão de honras, é a dignidade que servirá – via proporcionalidade – para sopesar os direitos, limites e interesses postos e gerar a resolução. A isonomia, é verdade, também participará, mas, sem sombra de dúvidas, a luz fundamental, a estrela máxima do universo principiológico, é a dignidade da pessoa humana.”
A matéria atinente às relações de consumo, no texto constitucional, encontra previsão no inciso XXXII do Art.5º, quando o Legislador optou pela previsão de uma lei de defesa do consumidor: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.”
A defesa do consumidor recebeu atenção especial através da  Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, comumente conhecida como Código de Defesa do Consumidor – CDC - , diploma no qual a dignidade constitucional da pessoa humana é inserida em numerosos dispositivos legais.
No CDC, então, a dignidade é erigida à proteção máxima através da previsão de mecanismos legais que visam promover a igualdade jurídica entre fornecedores e consumidores, a exemplo da inversão do ônus da prova, interpretação mais favorável ao consumidor e inserção do Ministério Público enquanto parte legítima para adotar procedimentos que visem a tutela de direitos coletivos.
O Capítulo I, do Título I da Lei nº 8.078/90 (CDC), logo em seu art. 1º, esclarece que as normas de proteção e defesa do consumidor são de ordem pública e interesse social. Tal dispositivo demonstra de forma inarredável o caminho desejado pelo legislador pátrio, qual seja, o da intervenção do Estado, via legislação consumerista, nas relações jurídico-contratuais existentes no mercado de consumo.
De se notar que o Art.1º do CDC informa que as normas de proteção e defesa do consumidor são de ordem pública e interesse social, nos termos do Art. 170, V da Constituição Federal (CF/88). Ora, o caput  do Art. 170 da CF/88 assevera que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, observado o princípio da “V- defesa do consumidor.”
Forçosa, portanto, a ilação de que o legislador tanto na seara constitucional quanto na infralegal – CDC -, optou por conferir ao microssistema legal do CDC a mesma característica da ordem econômica prevista na CF/88, ou seja, valorizando-se o trabalho, a livre iniciativa, mas com as limitações impostas pela ordem pública, o interesse social. É o intervencionismo do Estado Social, a constitucionalização do direito privado, exteriorizando-se.
A política nacional de relações de consumo resta consignada no Art. 4º do CDC, devendo ser sistematicamente interpretada com o Art.1º, alhures referenciado. O Art.4º do CDC tem a dignidade consagrada em seu caput, ao prever que tal política tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, “o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo”, elegendo, ainda, a título de princípios, dentre outros, o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, ou seja o entendimento de que o consumidor é a parte mais fraca da relação de consumo, o que caracteriza um desdobramento do princípio da igualdade constitucional na legislação infraconstitucional.
De forma resumida, pode-se afirmar que os princípios repousantes no Art. 4º do CDC - vulnerabilidade do consumidor, proteção do consumidor por ação governamental, harmonização do interesses dos participantes das relações de consumo, educação e informação dos fornecedores e consumidores, melhoria dos controles de qualidade e segurança de produtos e serviços, coibição e repressão eficientes dos abusos praticados no mercado de consumo, racionalização e melhoria dos serviços públicos e estudo constante das modificações do mercado de consumo – devem ser concretizados tendo por objetivo as previsões contidas no caput do mesmo artigo, ou seja, visando, com relação aos consumidores, “o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo”.
Para execução da política nacional das relações de consumo, o CDC prevê a utilização de instrumentos que de forma direta privilegiam os direitos fundamentais e a dignidade dos consumidores, a exemplo de criação de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, criação de delegacias especializadas, etc.
Já os direitos básicos do consumidor, previstos de forma exemplificativa no Art. 6º do CDC, podem ser compreendidos enquanto direitos mínimos dos consumidores nas relações de consumo, estando também diretamente relacionados com os direitos fundamentais do consumidor e com o princípio da dignidade da pessoa humana. Destacam-se a proteção da vida, saúde e segurança; a educação e divulgação adequada dos produtos e serviços, a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, a modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações desproporcionais; a revisão de cláusulas contratuais desiguais; a prevenção e reparação de danos morais e materiais (danos emergentes e lucros cessantes), a inversão do ônus da prova.
O sistema de responsabilidade civil adotado pelo CDC também privilegia a dignidade, a vulnerabilidade e a hipossuficiência do consumidor, já que a responsabilidade, via de regra é objetiva[18]no caso dos profissionais liberais, é subjetiva a responsabilidade-, bastando a comprovação do nexo causal para caracterização da culpa, não havendo a necessidade de se provar a culpa na modalidade subjetiva (imprudência, imperícia e negligência).
Ao tratar da proteção contratual, uma vez mais, o legislador privilegia a dignidade do consumidor e o intervencionismo estatal, tudo à exata medida em que se exige do fornecedor que o consumidor tenha a oportunidade de tomar conhecimento prévio do conteúdo contratual; e, em caso de dúvida, conforme prevê o Art.47 do CDC, a interpretação deve ser mais favorável ao consumidor.
As cláusulas abusivas, serão nulas de pleno direito, o que representa uma mitigação do princípio do pacta sunt servanda, além da aplicação do princípio constitucional da igualdade e da dignidade da pessoa humana, pois o afastamento das cláusulas abusivas significa exatamente isso, a prevalência do equilíbrio contratual diante de uma situação jurídica privada que não pode ser absoluta.
As cláusulas abusivas restam previstas no Art.51 do CDC, a exemplo daquelas que atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços; subtraiam do consumidor a opção de reembolso de quantia já paga; que estabeleçam a inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; estejam em desacordo com o sistema do consumidor, etc.
As cláusulas abusivas, na grande maioria dos casos, são identificadas em contratos de adesão que são conseqüência da massificação contratual, fenômeno alhures já explanado.
 A definição de contrato de adesão resta consignada no bojo do Art. 54 do CDC, sendo aquele cujas cláusulas já tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou de forma unilateral apresentadas pelo fornecedor de produtos e/ou serviços, tudo sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. O CDC conceitua contrato de adesão e estabelece os preceitos que regulamentam dita modalidade contratual; e, em assim agindo, opta por preservar o equilíbrio contratual através da imposição da boa-fé, ou seja, da boa-fé objetiva, descendente que é do texto legal. Se ela, boa-fé for desprezada, se houver desequilíbrio contratual, se houver prestações desproporcionais, por exemplo, em respeito à dignidade do consumidor tal ou tais cláusulas serão consideradas nulas, convindo realçar que a decretação de nulidade de uma cláusula não nulifica todo o contrato, a não ser que a cláusula objeto da nulidade torne o instrumento contratual sem efeito, sem sentido.
O Legislador, portanto, respeita o consumidor ao disciplinar a validade ainda que parcial do contrato. A livre iniciativa também é preservada, pois o contrato parcialmente nulo ainda faz a riqueza circular na sociedade, mas o Estado intervém em defesa da dignidade do consumidor.
É pacífico o entendimento dos Tribunais pátrios no que se refere ao respeito à dignidade do Consumidor nas mais variadas espécies de relação de consumo. O impacto do CDC no mercado de consumo é tão forte que seus mandamentos sobrepõem-se a legislações posteriores, em caso de conflito, a exemplo da Lei dos Planos de Saúde[19]. O entendimento é que por ser um microssistema legal, o CDC prevalece quando há conflitos interpretativos e principiológicos com outras legislações específicas, tudo em mais uma clara demonstração de preponderância do princípio da dignidade da pessoa humana:
41036589 - PROCESSO CIVIL - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA - RELAÇÃO DE CONSUMO - NORMAS DO CDC SÃO DE ORDEM PÚBLICA E INTERESSE SOCIAL, DEVENDO SER APLICADAS DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO, SOB PENA DE ERROR IN JUDICANDO - Normas do CDC somente admitem a aplicação subsidiária das normas dos demais ramos do direito privado quando estas não contrariarem o seu microssistema jurídico. Alegações do réu, ora apelante, acerca da aplicabilidade de institutos e Leis que regem as relações de direito civil não têm cabimento nos litígios cujos objetos sejam relações jurídicas de consumo. alegação de informação inadequada. Efeitos do contrato divergem da expectativa cultivada pelo consumidor. O réu, ora apelante, não se desincumbiu do ônus de provar a adequação e clareza nas cláusulas impugnadas. Aplicação do princípio da interpretação das cláusulas contratuais de modo mais favorável ao consumidor. Nulidade das cláusulas contratuais abusivas. Recurso improvido. (TJBA - AC 17.637-8/2003 - (81012) - 2ª C.Cív. - Relª Desª Lealdina Torreão - J. 22.02.2005) [20]
Ao regulamentar a defesa do consumidor em Juízo, o Legislador pátrio escolheu duas formas para tal mister: a defesa individual e a defesa coletiva.[21]
O parágrafo único do Art.81 do CDC define e diferencia os interesses ou direitos difusos – os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fatos -; os interesses ou direitos coletivos – os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base - ; e, os interesses ou direitos individuais homogêneos – aqueles de origem comum.
Além do próprio consumidor, são legitimados concorrentes o Ministério Público, a União, os Estados, Municípios, Distrito Federal, as entidades e órgãos da administração pública direta ou indireta e as associações legalmente constituídas há mais de um ano, requisito final este que pode ser dispensado quando exista manifesto interesse social. Nas ações coletivas, a preocupação com o consumidor é tanta que se o Ministério Público não for Autor, atuará como fiscal da lei.
Ao especificar normas processuais em seu microssistema, o CDC não poupa esforços para a defesa do consumidor em Juízo. Visando o desiderato maior da Lei, em respeito à ordem pública e ao interesse social; e, sobretudo aos direitos fundamentais e à dignidade do consumidor, estabelece o Código que são admissíveis, para a defesa dos direitos e interesses dos consumidores toda e qualquer espécie de ação que for suficiente a propiciar a adequada e efetiva tutela, tudo conforme se depreende da análise interpretativa do disposto no Art. 83 do CDC.
O Código do Consumidor institui, outrossim, o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor[22] (SNDC), integrado pelos órgãos federais, estaduais e municipais, também do Distrito Federal e entidades privadas de defesa do consumidor. Além do CDC, no Art.107 do Código resta consignada a possibilidade legal de instituição de uma convenção coletiva de consumo, local onde a dignidade e demais normas constitucionais e consumeristas de interesse e defesa do consumidor podem ser objeto de regulação por instrumento escrito e assinado entre as entidades civis de consumidores, associações de fornecedores e/ou sindicatos de categoria econômica.

4. Conclusão
A Constituição Federal de 1988 é fruto de um momento histórico que privilegiou a abertura para uma democracia que, nas últimas duas décadas, tomou corpo na nação brasileira.
O modelo adotado para a ordem econômica, inserido no Art.170 da Constituição Federal de 1988 funda-se na  “livre valorização do trabalho humano e na livre iniciativa”, tendo por objetivo “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.”
Referido modelo representa verdadeira intervenção do Estado no domínio econômico, através de políticas públicas fruto das experiências democráticas, sendo resultado de uma evolução social que encrudesceu após o fracasso do liberalismo; e, do conseqüente fortalecimento de um Estado Social que tem por escopo maior o fomentar do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana através da busca da concretização dos fundamentos da República Brasileira e do respeito a seus objetivos fundamentais.
Dessarte, além da básica segurança jurídica apregoada nos séculos anteriores, o Estado, hoje, age de forma intervencionista na sociedade, regulando mercados e garantido o desenvolvimento nacional através do respeito à dignidade da pessoa humana, a qual encontra-se inserida na categoria de direito fundamental, já que o cidadão possui direitos – fundamentais – perante ele, o Estado.
Nesse cenário, o surgimento do Estado social e a intervenção estatal na ordem econômica e social findaram por gerar uma verdadeira constitucionalização do direito privado, dês que, pouco a pouco, a força contratual obrigatória, até então absoluta através de princípios contratuais como o pacta sunt servanda, foi mitigada pelo fenômeno conhecido como dirigismo contratual que, de forma simples, pode ser entendido como a ingerência do Estado nas relações privadas.
O dirigismo contratual, no ordenamento jurídico brasileiro, é encontrado,por exemplo,  na legislação extravagante e no Código Civil em vigor, promulgado em 2002, através da Lei nº 10.406.
 No que se refere às relações de consumo, a Carta Política de 1988 previu a criação de uma legislação específica que,  por força do trabalho legislativo, passou a ser conhecida como Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), diploma legal com status de Lei Federal e que se encontra em vigência há quase vinte anos.
O Código de Defesa do Consumidor constitui-se em verdadeiro avanço social e, ainda, em um microssistema legal com regras próprias que, ao regular as relações de consumo, preocupa-se com a sociedade, pois suas normas possuem natureza de ordem pública e interesse social.
No Código de Defesa do Consumidor, a dignidade da pessoa humana constitui-se no próprio fundamento de toda a sistemática consumerista.
É que a Lei 8.078/90, como um todo, gravita ao derredor do constitucional princípio da dignidade da pessoa humana o qual, inclusive, também é referenciado no Art. 4º, quando o legislador discorre sobre a Política Nacional das Relações de Consumo.
A dignidade da pessoa humana, portanto, na sistemática do CDC, encontra-se diluída e implícita em preceitos legais que tratam da inversão do ônus da prova, da vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor, da necessidade de divulgação adequada dos produtos e serviços, da proteção contratual e das cláusulas abusivas; e, da prevenção e reparação dos danos materiais e morais, dentre outros.
Criou-se, assim, na legislação constitucional e infraconstitucional e ao derredor do tema dignidade, um equilíbrio sócio-jurídico para o desenvolvimento nacional – objetivo fundamental da República – através da observância da dignidade da pessoa humana – fundamento da República -, tudo em prol de se construir uma sociedade justa, solidária e livre, o que também é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil.
Em resumo, a livre iniciativa está garantida, mas não é absoluta. A intervenção do Estado nas relações jurídicas privadas, nessa realidade, vem a contribuir, permitir e assegurar o exercício dos direitos individuais e sociais, bem como, a formação de uma sociedade fraterna e fundada na harmonia social, como previsto no preâmbulo da Carta Cidadã de 1988, preâmbulo este que possui natureza principiológica.



NOTAS:
[1] Comentários à Constituição Federal de 1988, p.1943
[2] Teoria do Estado, p. 355
[3] Teoria do Estado, p. 355
[4]A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p. 21
[5] A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p. 22
[6] Teoria do Estado, p. 139/140.
[7] Conforme Daniel Sarmento in Direitos Fundamentais e Relações Privadas, p. 22/23
[8] Explica PAULO BONAVIDES, in Teoria do Estado, p. 358, que
“A teoria do Estado social se acha direta e imediatamente vinculada nas constituições de nosso tempo ao capítulo da Ordem Econômica e Social e portanto à extensão e verticalidade dos preceitos que se relacionam com essa ordem, fazendo-a ora mais apartada, ora mais convizinha dos interesses sociais incorporados à realidade constitucional e às condutas respectivas pertinentes a grupos e indivíduos.
É óbvio que aqui se trata de determinar tão-somente a esfera abstrata e teórica, produzida pelo constituinte ou obrigatoriamente inferida da realidade concreta pelos intérpretes e aplicadores daqueles valores relativos à igualdade e à liberdade, para saber até onde vai ou até onde é possível chegar tocante a semelhante gênero político de Estado Social.”
[9] O Contrato e sua função social, p. 65
[10] Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 64
[11] Paulo Bonavides e Paes de Andrade, in História Constitucional do Brasil, p. 498, afirmam que referidos periódicos no que se refere à regulação do capital estrangeiro.
[12] A Pessoa – Seus Direitos,p.151:
“O Presidente do Congresso Constituinte, Deputado Ulysses Guimarães (1916-1992), professor de Direito Internacional Público da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em um arrebatamento, à revelia de seus pares, inseriu um prólogo ao documento constitucional, quando de sua primeira publicação oficial, do seguinte teor:
A Constituição coragem
O Homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto sem cidadania.
A Constituição luta contra os bolsões de miséria que envergonham o país.
Diferentemente das sete constituições anteriores, começa com o homem.
Gratificante testemunha a primazia do homem, que foi escrita para o homem, que o homem é seu fim e sua esperança. É a constituição cidadã.
Cidadão é o que ganha. Come, sabe, mora, pode se curar.
A Constituição nasce do parto de profunda crise que abala as instituições e convulsiona a sociedade.
Por isso mobiliza, entre outras, novas forças para o exercício do governo e a administração dos impasses. O governo será praticado pelo executivo e pelo legislativo.
Eis a inovação das Constituição de 1988: dividir competências para vencer dificuldades, contra a ingovernabilidade concentrada em um, possibilita a governabilidade de muitos.
É a Constituição coragem.
Andou,imaginou, inovou, ousou, ouviu, viu, destroçou tabus.
Tomou partido dos que sós se salvam pela lei.
A Constituição durará com a democracia e só com a democracia sobrevivem para o povo a dignidade, a liberdade e a justiça.”
[13] Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 416
[14] Curso de Direito Constitucional, p. 514
[15] A Pessoa – seus direitos, p.7
[16] O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, p.48
[17]  O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, p.55
[18] 146000041875 - APELAÇÃO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - COMPANHIA AÉREA - EXTRAVIO DE BAGAGEM - DECADÊNCIA - INOCORRÊNCIA - DANOS MORAIS - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - FIXAÇÃO EM VALOR RAZOÁVEL - DANOS MATERIAIS - COMPROVAÇÃO - ÔNUS SUCUMBENCIAIS - Não estando a lide embasada no vício aparente do serviço, inaplicável a decadência fulcrada no artigo 26 do CDC. A responsabilidade do prestador de serviços deve ser analisada à luz do microssistema consumerista, que prestigiou a teoria da responsabilidade objetiva, segundo a qual é desnecessária, para a caracterização do dever reparatório, a comprovação da culpa do agente, ficando o consumidor responsável, apenas, em demonstrar a efetiva ocorrência do dano à consumidora e do nexo causal - A indenização por danos morais deve alcançar valor tal, que sirva de exemplo para a parte ré, sendo ineficaz, para tal fim, o arbitramento de quantia excessivamente baixa ou simbólica, mas, por outro lado, nunca deve ser fonte de enriquecimento para o autor, servindo-lhe apenas como compensação pela dor sofrida. Tendo a parte requerente comprovado a extensão dos prejuízos patrimoniais que suportou, em decorrência do ato ilícito, deve a parte requerida ser condenada ao pagamento de indenização por danos materiais. No confronto do pedido com a condenação, o litigante que decair de parte mínima do pedido, restará isento do pagamento de custas, cabendo ao outro responder, por inteiro, pelas despesas e honorários. (TJMG - AC 1.0024.08.070815-9/001 - 17ª C.Cív. - Rel. Lucas Pereira - DJe 16.03.2010) (http://iobonlinejuridico.com.br, acesso em 21/06/2010)
[19] 1400852191 - CIVIL - CONTRATO DE ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR - CAARJ - ANGIOPLASTIA - COLOCAÇÃO DE STENT - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - APLICABILIDADE - PRESUNÇÃO LEGAL DE VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR - CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 - ART. 1º, INCISO III - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - LEI Nº 9.656/1998 - ART. 4º, INCISO VII - CABIMENTO - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - QUANTUM MANTIDO - RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - REMESSA NÃO PROVIDA - Há que se reconhecer que a relação jurídica material se enquadra como relação de consumo, nos termos do § 2º, do art. 3º, do CDC - A Constituição Federal de 1988 (art. 1º, III), ao dispor sobre a dignidade da pessoa humana e os direitos e garantias individuais, como fundamento do Estado Democrático de Direito, reconheceu que o Estado existe em função da pessoa humana, uma vez que sua finalidade precípua é o próprio ser humano- O contrato de assistência médico-hospitalar, firmado entre as partes, deve primar pela boa-fé, que é imperativa de conduta, abrangendo respeito, lealdade, cuidado com a integridade física e moral, preservando-se a dignidade humana, a saúde, a segurança e a proteção dos interesses econômicos do consumidor em face da presunção legal da sua vulnerabilidade no mercado de consumo, pelo que deve a CAARJ prover os meios necessários à realização do procedimento de angioplastia do autor, com colocação de "stent recoberto com droga"- O dano moral, encontra-se configurado, pois resultante do constrangimento, angústia e aflição sofridos pelo autor em razão da recusa da ré em dar cobertura à sua cirurgia, que, por tal fato, feriu o princípio da dignidade humana, causando-lhe grave lesão, gerando um estado de apreensão ao mesmo e à sua família- É inegável que a honra não pode ser traduzida em moeda, mas o que se busca, na verdade, é a reparação pelo sofrimento, não se podendo esquecer a natureza punitiva dessa reparação, que deve ser sentida pelo ofensor. Não só a Constituição Federal de 1988 é expressa em admiti-lo, nos incisos V e X do art. 5º, bem como em sede, especificamente, de direitos do consumidor, nos incisos VI e VII, do art. 6º, da Lei nº 8.078/90- Para a fixação do quantum devem ser observadas algumas diretrizes, tais como a condição do ofensor, as circunstâncias fáticas do evento, a extensão do dano, bem como a observância aos princípios da razoabilidade, que veda o enriquecimento sem causa, e o da proporcionalidade ao evento danoso- Deve a Caixa de Assistência dos Advogados do Rio de Janeiro CAARJ arcar com as despesas decorrentes da angioplastia coronariana, inclusive com o custo de stents, além do pagamento, a título de indenização por danos morais, da quantia equivalente a 100 (cem) salários mínimos vigentes à época do efetivo pagamento, uma vez que a indenização fixada pelo juiz, a título de dano moral, deve guardar "proporcionalidade e razoabilidade com os fatos..." E "não deve ser tão leve que incentive o réu a continuar causando danos morais a outras vítimas ou que a sociedade se acostume a ver com naturalidade tais comportamentos. Por outro lado, não pode ser passível de enriquecimento ilícito por parte da vítima" (TRF- 2ª Reg., 6ª T., AC nº 199751011052219/RJ, Rel. Des. Fed. FERNANDO MARQUES, unânime, DJU de 18/04/2005)- Remessa não provida. (TRF-2ª R. - REO-ACív. 2006.51.01.006246-4 - 6ª T.Esp. - Rel. Renato Cesar Pessanha de Souza - DJe 16.12.2008 - p. 81) (http://iobonlinejuridico.com.br, acesso em 21/06/2010)
[21] Ver arts.81 e seguintes do CDC
[22] Art. 105 e seguintes do CDC


REFERÊNCIAS:

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GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 12ª Ed, SP : Malheiros, 2007
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