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domingo, 22 de maio de 2011

Poluição sonora e relações de consumo

Um dos maiores problemas relativos ao direito de vizinhança relaciona-se com a poluição sonora, não sendo raro o número de pessoas que sofram com referida situação ou que, no mínimo, conheçam terceiro que enfrente tal problema.


Antes de mais nada, torna-se imperioso analisar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor na espécie. É que o CDC somente será aplicado se restar contextualizada a relação de consumo. Não se aplicando o CDC, deve o prejudicado valer-se das regras gerais do direito de vizinhança, previstas na legislação comum.


Caso o Magistrado entenda ser possível a aplicação do CDC no caso, instrumentos importantes podem ser utilizados, a exemplo do instituto da "inversão do ônus da prova", previsto na legislação consumerista. Veja-se decisão abaixo:

116276035 - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - ACIDENTE AÉREO - TRANSPORTE DE MALOTES - RELAÇÃO DE CONSUMO - CARACTERIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO - VÍTIMA DO EVENTO -EQUIPARAÇÃO A CONSUMIDOR - ARTIGO 17 DO CDC - I - Resta caracterizada relação de consumo se a aeronave que caiu sobre a casa das vítimas realizava serviço de transporte de malotes para um destinatário final, ainda que pessoa jurídica, uma vez que o artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor não faz tal distinção, definindo como consumidor, para os fins protetivos da Lei, "... Toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final". Abrandamento do rigor técnico do critério finalista. II - Em decorrência, pela aplicação conjugada com o artigo 17 do mesmo diploma legal, cabível, por equiparação, o enquadramento do autor, atingido em terra, no conceito de consumidor. Logo, em tese, admissível a inversão do ônus da prova em seu favor. Recurso Especial provido. (STJ - RESP 200300595959 - (540235 TO) - 3ª T. - Rel. Min. Castro Filho - DJU 06.03.2006 - p. 00372)

De início, portanto, a relação de vizinhança afasta a relação de consumo e a consequente aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Contudo, a depender das peculiaridades do caso e desde que o vizinho seja vítima do evento, é possível a sua equiparação a consumidor, tudo com fundamento no Art. 17 do CDC. Em resumo, não existindo a relação de consumo, não se aplica o CDC:

10036111 - AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS - ROMPIMENTO DE BARRAGEM - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - APLICAÇÃO DO CDC - IMPOSSIBILIDADE - A tutela especial prevista no CDC deve ficar limitada a quem possa ser caracterizado como consumidor, diante de uma interpretação restrita da definição prevista no referido Condex (art. 2º), pois do contrário estar-se-ia desvirtuando a finalidade da lei para o atendimento de outros interesses, inclusive com injustificado prejuízo do ordenamento jurídico que rege todas as demais relações - Para aequiparação da vítima de um evento aos consumidores, deve existir nexo de causalidade entre o dano e uma relação de consumo, pelo menos entre o fornecedor e terceiros, na medida em que a disposição do artigo 17, do CDC , faz expressa referência à seção do Código que trata da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço. (TJMG - AI 1.0439.07.074329-9/001 - 13ª C.Cív. - Rel. Luiz Carlos Gomes da Mata - J. 05.05.2009 )


No que se refere à análise fática do tema, interessante o disposto no Acórdão proferido em decorrência da Apelação Cível  58.796 (Comarca de Além Paraíba, relatada pelo Des. Werneck Côrtes), na qual o Juiz monocrático indagou:


" 'Qual a festa que não produz barulho?', merecendo daquele desembargador a seguinte resposta: 'aquela que respeita a lei e procura não prejudicar os que dela não participam. As festas promovidas por pessoas educadas, daqueles que conhecem o princípio de que a liberdade de um termina onde começa a liberdade do outro. Dos que sabem conviver em comunidade'" (JM 88/88-89)


A existência de poluição sonora abre ao prejudicado a possibilidade de exercício de direito de ação objetivando o ressarcimento por danos materiais e morais:



146000050572 POLUIÇÃO SONORA - ESTABELCIMENTO INDUSTRIAL - DANO MORAL - Caracteriza-se como danomoral passível de reparação, a poluição sonora causada por estabelecimento industrial instalado em bairro residencial. Recurso não provido. (TJMG - AC 1.0313.07.224254-5/001 - 10ª C.Cív. - Rel. Alberto Aluízio Pacheco de Andrade - DJe 07.04.2010 )
146000031135 - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANO MORAL - FAIXA COM MANIFESTAÇÃO CONTRÁRIA À IGREJA - LIBERDADE DE EXPRESSÃO - DEVER DE INDENIZAR - INEXISTÊNCIA - A manifestação contrária à permanência de igreja nas proximidades da casa do réu não acarreta o dever de indenizar por danos morais, mormente quando comprovada a irregularidade do funcionamento da autora e a violação da lei municipal que dispõe sobre a proteção contra a poluição sonora (Des. Saldanha da Fonseca). (TJMG - AC 1.0223.07.212193-0/001 - 12ª C.Cív. - Rel. Alvimar de Ávila - DJe 25.01.2010 )
158000042598 - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - DIREITO DE VIZINHANÇA -POLUIÇÃO SONORA - RUIDO EXCESSIVO - PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO - PROVA PERICIAL REALIZADA - DANOMORAL CONFIGURADO - DEVER DE INDENIZAR - ATO ILÍCITO E NEXO DE CAUSALIDADE PRESENTES - VALOR DA INDENIZAÇÃO MANTIDO - Demonstrado por meio de prova técnica que o dano consistiu na emissão de ruído capaz de prejudicar o sossego dos autores assim como potencializar desconforto normalmente esperado pela exposição crônica a ruídos ambientais, impositiva a procedência da ação. APELOS DESPROVIDOS. UNÂNIME. (TJRS - AC 70028911469 - 20ª C.Cív. - Rel. Des. Rubem Duarte - J. 08.09.2010 )


Feitas as considerações iniciais, esclarece-se que a eventual inaplicabilidade do CDC aos casos de poluição sonora não impede ao prejudicado a busca por seus direitos. Para solucionar o problema, deve o prejudicado adotar uma ou todas as medidas a seguir delineadas, a depender do caso: a) denúncia por escrito aos órgãos municipais e/ou estaduais que tratem do tema, devendo o prejudicado verificar se existe competência do órgão responsável pelo meio ambiente para tratar do assunto. Importante, ainda, que se solicite no requerimento a realização da quantidade de decibéis verificados no local; b) acionamento da polícia para se fazer o flagrante, devendo-se tomar a cautela para se identificar a viatura e o número da ocorrência para posterior identificação e utilização dos policiais enquanto testemunhas em processo futuro; c) sempre agir acompanhado de terceiro preferencialmente não parente, terceiro este que também poderá ser testemunha futura; d) envio de notificação judicial registrando o desrespeito ao direito de vizinhança.


Após as providências acima, o passo seguinte será o ajuizamento de ação objetivando a cessação do incômodo e requerendo ao Juiz uma liminar que ordene o cumprimento da obrigação de não fazer barulho, sob pena de multa diária. Danos materiais e danos morais, a depender dos fatos, também podem ser postulados, como já visto acima.


Por derradeiro, caso o prejudicado resida em condomínio, importante é a realização de uma assembleia e o registro da problemática em Ata. Dessa forma, o condomínio poderá agir representando a comunidade condominial, o que fortalece as providências ora sugeridas.


(Julio Bezerra Leite)







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